Eu quero estar em casa

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Vai acabar a água, vai acabar o ano,
vai acabar o medo, vai acabar o mundo…

Há sempre um fim e uma infinidade.

E há gente esperando a sorte.
Esperar é incerteza, a sorte é incerteza. E esperar a sorte me parece como elevar a incerteza a potencias que desconheço, desconheço as potencias da espera.

Você falava das mulheres, que enfeitam o cabelo pra esconder as dúvidas, e eu pensava nas minhas dúvidas escancaradas nos meus cabelos bagunçados e nus. Eu deveria me encaixar, mas acho que perdi a hora. Eu tô te inventando e você nunca disse nada sobre as mulheres que enfeitam seus cabelos, acho que foi algo que eu pensei e queria dizer de algum jeito que não fosse o mais objetivo. A minha objetividade é comprometida e deficiente. Distorço por todos os lados e disfarço sem disfarce nenhum, é tudo cru, é tudo nu. Mas finjo que visto, pra vocês fingirem que não vêem, que já trago minha fuga escrachada incontida e agarrada à topetuda vontade de ficar.

O vento não vai acabar, vai?
Se quando acabar o mundo, eu quero estar em casa. A minha casa não tem portas, janelas ou paredes, a minha casa tem vidas e amores. Quiçá sinônimos.

Eu não acabei ainda.

Marianna Ambrósio

O que vocês ganham se entregando?

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Não me admira muito que você seja tão quentinho.
Calor é energia.

E a sua energia, na minha imaginação, é gerada por uma porção infinita de Oompa Loompas apoiados na beirada da cama e correndo no lugar. E cada um deles carrega consigo a sua personalidade. Cada vez que você se sente alegre, eles correm mais; cada vez que você sente a força da vida, eles correm mais; cada vez que você experimenta qualquer coisa que se assemelhe a liberdade, eles correm mais; cada coisa que te entusiasme, eles correm mais e mais. E sempre que há amor, eles correm muito. Eles correm muito sempre.

É um ciclo, você os estimula, eles o estimulam e vice-versa ao quadrado.

Você tem um dom, que é o mais encantador de todos(entre todos os tantos outros, tão encantadores). O dom de,naturalmente, ater-se ao que há de melhor em cada coisa. Não fingir que tudo é perfeito e que nada é ruim, mas de evidenciar o que for melhor,  do jeito que for.

Você se entrega. Mergulha de cabeça no que te encanta e, tudo bem que poderia haver um pouco mais de cuidado e não levar isso tão ao pé da letra, mas inspira, com todo o conjunto de ser, forças indescritíveis de fazer valer a totalidade das oportunidades e potencialidades da vida. Inspira a vontade de exercer todo o sentimento. De viver, de expressar -com toda a pureza de um palhaço, em seu grau mais essencial de humanidade- a verdade escrachada (subjetiva ou não).

Você abre olhos, portas, janelas, cortinas, “vitrôs”, os braços, corações, mentes e desembaça a visão do que existe de mais bonito. A luz, a borboleta, a flor, os olhos dos bichos, o por do sol, o passarinho, o sorriso de criança, de adulto, de velhinho, os pezinhos da abelha cheios de seiva… nada, nada passa despercebido do toque da beleza quando a sua presença desembaça a visão.

Você pode se sentir cansado e, ainda assim, o que vem de você é força;
Pode se sentir triste, mas ainda assim…
Pode sentir medo e, da mesma forma…
Pode sentir sono (até estar dormindo), mas, mesmo assim…
Pode sentir dor e, mesmo assim…

Sua essência é de amor, força, paz, entusiasmo e beleza.
Isso, nada muda. Só reforça.

Marianna Ambrósio

Pra se navegar um trem a velas desgovernado

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Um pescador em seu barco a navegar.
É ele quem se entrega ao barco?
Às águas? Ao mar?

Não era meu, não era do meu vizinho e eu não me lembro o nome de alguém a quem pertencia.  Tinha importância a alguém, e isso bastava.
Quando você olha pra ele -nos olhos- logo sabe(sente), que -sempre que pode- faz o que fez…

Eu tenho os meus limites, os meus muros, minha capas, cascas, amarras, cascos e tenho um receio tremendo de parecer pelada demais por dentro. Mas ontem um amigo de uma sensibilidade fantástica traduziu toda a explicação em algumas poucas palavras: ‘Sentimento (no caso ele disse amor) não tem rédeas, é um trem desgovernado que vai pra onde o vento leva’.

Sopra, leva, traz, balança o que houver, vira de ponta cabeça, faz turbilhão, às vezes tudo isso em silêncio. Silêncio que depois nos cabe dar nome, rebocar de palavra, de entendimento, enquadramento, definição. Silêncio que vira falação, às vezes ainda em silêncio com relação ao de fora. Então, começam as escolhas. Tudo simultaneamente, claro, não tem tempo pra pensar, é isso de escolher o tempo todo. E, de repente, algumas forças transformam uma porção de dúvidas em assertividade.

Sim, eu escolho estar junto com você, mas se você não escolher estar comigo, tudo bem. Nascemos um para o outro sendo dois, nossa fusão é soma e, a essência do nosso nós é você e sou eu, com tudo o que trazemos.
Não é indiferença, é compreensão.

Cada tato é capaz de dizer três milhões de coisas, e diz.
Cada milímetro de pele que encosta no milímetro de pele dele envia mensagens instantâneas a todas as partes do corpo.
Tudo é visível.

De olhos fechados ou abertos, tudo se clareia, de certo pela luz da alma que permeia aquele corpo, e com a luz dos caminhos que me constroem. E somos farol.
Somos uma história carinhosamente conturbada estampada na pele.
E somos construção, gozando da vida com a consciência estranha de que “nada se cria, nada de destrói; tudo se transforma”, sabendo que tudo o que temos é o agora e que ele não dura mais do que o tempo de um agora,
imensurável.

O novo, misto de receio e anseio.
Até o que se repete ainda é novo.

Não vemos o mundo com os mesmos olhos, não sentimos com o mesmo ser, não pensamos com os mesmos neurônios, mas nos entendemos sutilmente, cada um por si, com o outro, no outro.

O desejo antitético de algo leve, que pudesse se dotar de uma intensidade de me tirar do sério, não é mais apenas um desejo, é palpável e transcendente, metafísico. Tangível e findo, ao mesmo tempo.

Que seja só um jogo bobo de palavras, mas o que há é pertencimento e não posse. Pode-se pertencer livremente onde quer que se sinta bem. Liberdade é caber sem poda.
É abrir a porta emperrada com jeito e não explosão. E, lá dentro, explodir em flores.

Um trem desgovernado também é escolha. Pode-se pular a qualquer momento ou se entregar à jornada pelo controle das velas, amigar-se ao vento, compreendê-lo.
Uma rosa dos ventos não me diz para onde ir, a escolha é minha.
O tempo todo.

Não era meu, não era do meu vizinho e eu não me lembro o nome de alguém a quem pertencia.  Tinha importância a alguém, e isso bastava.
Quando você olha pra ele -nos olhos- logo sabe(sente), que -sempre que pode- faz o que fez.

A imagem dele levantando aquele vasinho vai ser sempre uma força para a assertividade da escolha de me entregar ao trem a velas desgovernado e dirigi-lo respeitosamente.

Marianna Ambrósio

Que seja novo

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Que a gente vista a camisa dos nossos sonhos, então.

E não tenha medo de escancarar as -ou nas- nossas caras, os pensamentos e sentimentos. Não que a gente seja vulnerável demais, a qualquer tudo. Ninguém precisa se entregar demais. Mas também, ninguém precisa querer dizer o que qualquer alguém precisa fazer ou ser. Acho que isso é mais uma auto repreensão, que coloco no plural pra não assumir solidões.

Não seremos os melhores amigos de todo mundo, não seremos o primeiro a saber de tudo, não seremos o porto seguro de todas as pessoas que conhecemos. E, se esse for o nosso objetivo, acho que nos perdemos no caminho(nos? caminhos?). Posso estar geometricamente errada e parecer trouxa, mas acho que destaque é consequência e não objetivo. Quando é a meta me dá uma impressão assustadora de um tipo de subversão perigosa.

Não pretendo inocência quando uso verbos do tipo “assustar”, não sou inocente. Meus crimes são escrachados, subverti uma série de coisas, gosto de acreditar no que existe além do certo e do errado, gosto de acreditar nas explosões de possibilidades do encontro de ambos. Encontros antitéticos me encantam e parecem gerar expansões, experiências, construções… Não sou inocente ou vítima, sou trilhares de consequências de milhares de escolhas do tempo todo e, sim, confesso já ter desejado -e até tentado- fugir de ser, viver e assumir determinadas destas consequências, mas elas sempre se fizeram -e se fazem- mais fortes.

Dei muita liberdade para que os sentimentos (ou qualquer coisa que venha de dentro e que eu não saiba qual palavra usar para descrever) fizessem comigo -e de mim- as suas próprias e desordenadas vontades. Fui, algumas vezes, com um cão. Um cão, um macaco, um peixe. Racionalidade (como humanamente conhecemos) escassa. E talvez as pessoas nasceram para agirem como pessoas e os outros animais como eles. Talvez eu tenha destoado muito e pisado na bola em proporções maiores do que aceitável. E talvez esteja escrevendo isso por uma tosquice que me faz não saber como me desculpar, talvez eu nem queira me desculpar, a culpa é minha mesmo e levo comigo, acho que é só uma necessidade besta de expor que houve um desvio e que a intenção não era pisar na bola, acho que geralmente não é.

Toda estrela parece cadente de olhos molhados. Eu tava olhando os olhos miúdos da minha avó, que diziam oito milhões de coisas, que geralmente em silêncio. Acho que o medo de envelhecer faz com que a gente envelheça de um jeito maluco. Na verdade não acho que seja o medo de envelhecer, mas uma porção de medos macumunados do desconhecido. Mas não condeno o medo também, acredito que pode ser, ao mesmo tempo, proteção e incentivo, inventivo. A gente inventa formas de ser maior do que ele, cria, imagina, cresce, vive. Uma das melhores sensações que conheço é a de ser maior do que o medo.

O Sol vai nascer amanhã feito tem nascido todos os dias, é claro. No meio de um monte de nuvens, escondido, ou se exibindo numa pureza azul, da cor que a gente quiser ver.

Onde é que estamos com a cabeça? Onde é que estávamos? Onde é que eu estou? Tem tanto pra ser feito todo dia, tanto pra viver, tanto pra ser próprio ao invés de ser alheio. E estou justamente sendo alheia, expondo qualquer coisa que deveria ser só minha, qualquer pensamento que já existia dentro de mim mesmo antes de se escancarar num papel, numa tela, num olhar qualquer. Inventaram um monte de coisas pra gente disfarçar solidão, pra gente se mostrar.

E que eu vista a camisa dos meus sonhos, então. E 365 nasceres e pores de Sol, conjugados no que chamamos de 2013, façam-me mais essência e vontade e movimento e que no ano que vem eu não precise me expor pra me sentir inclusa, que eu de a cara a tapa sem precisar me justificar por que.

Feliz próximos acordares.

Marianna Ambrósio

Mora na filosofia

Sabe quando você fica tão feliz, mas tão inevitavelmente feliz em ver alguém, que fica indignado? Porque, justo naquele dia, não deu tempo de pentear o cabelo ou dar um tapa no visual, justo naquele dia, você saiu de casa esculhambado, com cara de semana passada e bochecha amassada. Mas, embora indignado, você não chega sequer perto de ficar triste, porque é melhor ver aquela pessoa com a sua cara toda estrunchada mesmo, do que não ver. E a cara dela quase reflete na sua, de tão fantástica.

Tenho medo de morar aí a verdade.

No inevitável, sabe? E eu nem acreditava que ele existisse. ‘Maniacamente’ controladora, eu jurava que dava pra evitar qualquer coisa, até o mais íntimo, mas eu conheci a turbulência de alguns sentimentos. Descobri, no susto, que tem gente que só atrapalha. Só atrapalha a minha mentira, atrapalha o desânimo, atrapalha a vontade de reclamar do dia, atrapalha a cara amarrada e até o cansaço. Acho que é isso que me soa mais verdadeiro. O contra. O que consegue ir contra e ainda brotar brilhante, ultrapassando todas as amarras nas quais nos encaixamos por uma tal de sensatez.

“Ah, insensatez, que você fez? Coração mais sem cuidado”

Verdade, hoje -porque eu mudo rápido- parece-me tudo o que é mais forte do que a sutilização.

Não me pise em ovos, não pise em ovos o meu sentimento, põe seu peso em cada passo, que só assim o meu tanto surdo coração te ouve chegar. Que só quando eu for incapaz de falar coisa com coisa olhando pra você -porque toda a minha atenção se concentra em não me deixar afogar no mergulho sensacional nos seus olhos- aí te quero, como criança, que quase não consegue se segurar quando quer sorvete ou jujuba.

Não cresço, não me boto preço

E, mesmo em cada novo espelho,

eu me reconheço.

“…pra que rimar amor e dor?”

Marianna Ambrósio

Movediça

Era uma vez um sonho, que morava do outro lado da rua. Não se atravessa do outro lado para o um, apenas do um para o outro. Até onde vai o muro? Até onde me sustenta?

Fica mais um pouco pra ensinar a me equilibrar na parede fina desse muro indisposto, que separa ideias bifurcadas da mesma raiz. Fica mais um pouco, porque você me estabiliza e, o primeiro passo é a estabilidade. Setembro chegou e já tem uma porção de gente dando boas vindas ao mês que tá começando, quando estiver no meio, vem aquela avalanche de “não te aguento mais, mês”, “já pode acabar”, “vem logo …(próximo)”. Acho que é pra gente não perder o costume de ser montanha russa e, que de certo inventaram o calendário assim pra gente sempre renovar os sentimentos. E preservar essa rala esperança de que o futuro, só por ser futuro, é melhor do que ontem ou hoje. Mas eu ainda acho que hoje é futuro o tempo todo. Não espero que eu volte às receitas, amigos dizem que enlouqueci e, eu não nego. “Vista o seu sorriso mais bonito, é você quem escolhe como seu dia vai ser”, isso às vezes não se encaixa. A verdade é suada, não ruim, mas enfrentada.

Marianna Ambrósio

Bagagem e apego

Paradigmas, paradoxos, e me diga, sem maior uso da imaginação, verdades secas e brutas, que às vezes é necessário o desapego criativo.

Vem, menino que é, descrente do medo e sem tempo de temer, que a vida anda é mais rápido do que os seus sonhos. Não, eu não aprendi tudo o que todas essas pessoas tão bem resolvidas com as suas vidas dizem ter aprendido. Não sei reduzir a bagagem e disfarçar o apego, ainda peso mais o peito quando os desejos são incabíveis e indispensáveis.

Ainda espero, mesmo quando condeno a esperança. Vem, menino, vem me dizer que te despertou o pingo da chuva que a sua janela quebrada não conteve. Que eu recorro ao dom da inventação de história, pra não me desfazer em lágrima o peito de tanto pé no chão.

Marianna Ambrósio

Exagerada

Sei que há um ponto (móvel) entre o normal e o exagero. Sempre ultrapasso sem ver.
Sinto a sua falta, como sinto falta -neste momento- de uma boa comparação. Sinto sua falta mais na prática do que na poesia, mais no momento do que naquelas eternidades prometidas. Não te digo da falta, não nos comunicamos, desaprendemos. Não sei ler o que diz e não sabe ler o que digo. Não recebo, sequer um bilhete seu, há tanto tempo, que nem conto. Eu ainda me povoo de tudo o que você me dizia.

Marianna Ambrósio

não amo ninguém e é só amor que eu respiro.

Eu nem sabia por que, mas queria – e queria muito, tanto que ainda hoje me arrepia a sensação de ter querido muito – te mostrar o que acontecia dentro de mim. Não fisiologicamente, porque isso era consequência, mas dentro dos meus pensamentos. Só que, como?

Que tentar colocá-los em palavras sempre saía algo como “olha, eu torço o nariz, quase involuntariamente, quando alguém fala de você como se te conhecesse melhor do que eu, ou pior, quando falam como se te possuíssem. Há, que ninguém pode te possuir, nem eu, e nem quero…” ou algo como “O gosto do seu sorriso é a coisa mais fantástica que eu já senti, e ele (o seu sorriso) consegue ser ainda mais encantador quando tá grudado no meu.” mas não era isso – não era só isso – que acontecia dentro de mim.

Mas como deixar sair, de uma forma não muito assustadora, que eu te queria pra toda a vida? Que cada terminação nervosa do meu corpo era tão menos nervosa e tão mais entusiasmada, alegre, vibrante com você? Como expressar, de algum jeito que eu não parecesse tão maluca, que eu não te queria o tempo todo, porque você me amenizava tanto as dores e os medos e os amores angustiados e os meus desejos descabidos de pegar o mundo inteiro no meu colo e que, por isso, eu só te queria por alguns momentos, porque em outros, eu precisava de tudo aquilo que a satisfação de estar com você me fazia deixar em outros planos? Que eu acho que a gente só pode ser feliz quando está distraído e que você me distraía, mesmo – e apesar – de me trair?

Eu te conhecia havia tanto tempo, mas te conhecia havia apenas dez minutos. E começava a achar que desejava as pessoas que se pareciam com você porque, quem sabe eu te teria em mais de uma versão. Porque embora você fosse uma caixa de surpresas constante, o nosso problema seria sempre o mesmo e eu precisava diversificar. Porque tem emoção que é grudenta demais, meio pregajosa (e esse R é proposital e se ninguém reclamar a autoria, a palavra pode ser minha), meio descabida e difícil de se guardar.

Marianna Ambrósio