Era uma vez um casalzinho feliz, desses que curte fazer várias coisas junto, viajar, beber, comer… Aquele outro tipo de comilança também. Os dois se amam e têm um par de planos em comum. Tudo muito bom, tudo muito bem. Um belo dia percebem que estão numa mesmice sem-fim, já não sabem se gostam de fazer isso ou aquilo ou se só fazem porque o outro faz. Aprenderam a ceder, mas cedem tanto que já nem sabem o que querem. O outro passa a decidir arbitrariamente sobre tudo. Um se apaga. Pior, os dois se apagam.
Com medo desse conto – que mais parece uma música “com história” do Renato Russo, mas sem final catártico ou feliz – algumas pessoas passam anos da vida viciadas em frissons: o frisson da conquista, o frisson dos primeiros meses, o frisson do sexo bom (qualitativa e quantitativamente). Nenhuma relação chega a durar mais que seis meses, um ano é raridade com direito a fundo do poço – o desinteresse, depois o obsoletismo, parecem programados para acontecer em uma dúzia de semanas. Soa meio adolescente, mas o pavor de ter que criar um perfil de casal no Facebook atestando que os dois são a mesma pessoa é bem maior.
Ninguém quer ser apêndice de ninguém. Já é difícil demais ter ciência de si próprio sozinho, e dependendo de quem se tem ao lado, pode ser bem pior. O acordo de manter a individualidade deveria ser tácito, para evitar uma quebra de clima num começo de namoro. Mas que não seria má idéia tê-lo escrito e documentado, não seria.
Uma das cláusulas deveria deixar claríssimo que, por mais que os dois pareçam se amar de uma maneira que beire a incondicional (tipo um cachorro que ama seu dono), existem muitas pessoas no mundo tão ou mais interessantes que as partes dessa relação. Em resumo, o outro pode se apaixonar por uma possível musa do Woody Allen, ou por um gostoso à la Javier Bardem, a qualquer tempo.
Entre se perder em uma história típica do imaginário de leitoras da Capricho e sair por aí tendo relacionamentos relâmpagos (praticando a liberdade que saber a diferença entre sexo e amor proporciona), há um meio-termo que pode ser interessante e não castrar ninguém. Dá menos trabalho não se perder no outro – do ponto de vista doentio, não do lírico e poético – e se manter fiel a si próprio do que terminar uma relação com pitadas dantescas e sair por aí tentando se encontrar.
Essa tentativa pode incluir graus etílicos e psicotrópicos inimagináveis e amnésias providenciais em poupar arrependimentos futuros (“se eu não lembro não aconteceu”).
Em qualquer relação todo mundo devia ter no bolso um peãozinho como aquele do Di Caprio no filme do Christopher Nolan. Quando você perceber que está se perdendo, ou que não se lembra da essência do outro… Gruda no talismã e lembra da sua origem!
Milena Moraes (http://revistanaipe.com.br)