Antes de você ir embora

Sabe, eu sempre fui um pouco sem jeito para pontos finais. Meu negócio é virgula. Uma pequena pausa antes de continuar. Porque eu sei que ir até o fim sem nenhum tipo de intervalo é de tirar o fôlego. E periga chegar ao final sem nem lembrar direito do começo, tamanha rapidez e atropelo. O meu problema, na verdade, é com o ponto final. Essa coisa de parar definitivamente.

É, isso sou eu tentando formular um discurso pra dizer todas as coisas que eu quero antes que você vá  embora. Olha, estive pensando em tantas  coisas que não preciso ficar dizendo aqui, e acabei  concluindo  que a vida sem você não é tão ruim assim. E sob certas perspectivas, é até melhor. Porque você às vezes é um pé no saco. Acontece que mesmo sendo às vezes a coisa mais desagradável que me ocorreu nos ultimos tempos, estar ao seu lado é maravilhoso.

Sabe, seu abraço é quentinho e forte. Estar dentro dele me faz sentir protegida e abrigada. Seria difícil encontrar outro desses, visto que já passei dificuldades demais com abraços fracotes, gelados e vazios até te encontrar.

Quero que você me poupe do trabalho de ter que utilizar ponto final numa história tão interessante sobre  seu abraço quentinho e eu… Então é basicamente isso que eu queria te dizer antes de você ir embora: Fica!

Maria Midlej

Devoluções

Você esqueceu aquela blusa preta aqui. É por isso que eu estou ligando, porque a encontrei dentro da minha gaveta. Lembra dela? Aquela que ficava ótima com sua calça jeans e o tênis que você sempre usa. Então, essa mesma. Que você usou no nosso primeiro encontro e também naquele dia em que tomamos sorvete no frio. Aliás, você deve tê-la usado pelo menos umas outras cinco vezes, se não me engano… você gostava muito dela, não é? Daí que eu resolvi te avisar que ela ficou aqui, esquecida. Que é pra, caso você sinta falta, não hesitar em vir aqui…pra pegar, sabe? É sua, né.

Então… e como é que vão as coisas? Quer dizer, aproveitando que eu liguei é bom saber de você, como está, essas coisas. Mas se não quiser prolongar a conversa eu vou entender. Ainda é estranho pra você, né? Essa coisa de não saber como me encaixar no posto de ”ex-aquela-coisa-toda”, mas pode ficar tranquilo que eu só liguei pra falar da blusa. Porque…porque você gostava muito dela, não gostava? Você queria tê-la consigo, era notável, não tem como negar… Hã? Sim, claro que eu estou falando da blusa preta que você esqueceu aqui, menino. Quê mais haveria de ser? Hum.

Eu? Eu tô bem, não se preocupa. Tem muito trabalho, muito livro. Esses dias eu vi um filme ótimo, você ia adorar assistir, tinha aquela música na trilha sonora, aquela que eu uma vez falei que me lembrava você. Pois é, só que eu não lembro quem cantava ela no filme, mas era tão boa… depois eu olho e ligo pra dizer. Então. Pois é. No fim das contas, eu fiquei com sua blusa preta e tô ligando pra dizer que quero devolver. E já que estamos tocando nesse assunto de devoluções, coisa e tal… Tu ficou com uma coisa minha também, e seria bacana ter de volta. Aí, tem como devolver meu coração?

Maria Midlej

Sobre conceitos, preconceitos e esteriótipos

Não é o sorriso manhoso ou o olhar provocante que ela solta pra meio mundo de gente sem se preocupar em quem vai atingir. Não é o fato de preferir andar sozinha, comprar a própria bebida e entornar várias doses. Nem o jeito engraçado que dança ou os abraços que distribui por aí. Não são os lugares que frequenta ou os olhares que lança. Nada disso. O problema dela é outro.

Não é o perfume doce nem a preferência por bebidas fortes. Nem aquela olhadinha de banda, nem esse ar de dominante que ela tem. Nem a mania de falar o que quer, fazer o que quer, na hora que bem entende. Não, não, a questão não é essa.

Não é a inteligência quase agressiva, a aparente força, a falta de vontade de fazer isso e aquilo. Nem a maquiagem marcada nos olhos. Nem o decote notável. Nem a dança desenvolta. O ar de rainha ou a forma como ela parece querer estar com todo mundo ao mesmo tempo.  Não, não, não!

Não venha você me dizer que o problema dela é esse.

Sabe por que? Porque o problema dela é exatamente o contrário do que você pensa. Ela não é de todo mundo, cara. Aquela moça não é de ninguém.
Absolutamente ninguém.

Maria Midlej

Eu tinha certeza

Eu ia te amar só enquanto você sorrisse largo e me contasse sobre o seu dia sentado naquela cadeira velha de madeira enquanto eu abria as janelas ou procurava algo na estante. Era pra eu te amar só até você parar de escolher a música certa pro domingo ou deixar de trazer a cerveja geladinha no ponto. Eu queria te amar até seus pés deixarem de ser incrivelmente quentes e você perder a mania de repousá-los nos  meus à noite.

Sério, o amor ia acabar no instante em que você descobrisse que existem outras piadas na face da terra e que o humor não se resume às  loiras burras. Ou você descobrisse um filme mais engraçado do que ”se beber, não case”. Bastaria que você parasse de esquecer datas importantes, deixasse de colecionar coisas exóticas, ou não gritasse impropérios pros personagens da novela das oito. Eu pararia  com esse amor assim que seu tom de voz fosse outro. Sua banda favorita fosse outra. Seu prato favorito, seu ritmo, suas carícias, seus sonhos… Tudo novo. Assim que tudo fosse novo, eu ia deixar de te amar.

Porque, você sabe, eu só estava nessa pelo seu jeito peculiar de levar a vida. Sua  mania de, literalmente, viver um-dia-de-ca-da-vez, assim, devargarzinho.Porque eu sempre amei a sua forma de ser você. Então eu  soube desde o início que qualquer mudança, minima que fosse, destruiria tudo. Me desencantaria. Mas ai você mudou…

e eu me apaixonei de novo.

Maria Midlej