O tal do 12

Eu me arrastava com revistas, minha bolsa feminina do Mcgyver, iPod e mochila do notebook: chegar até o assento no avião seria, claro, uma missão tão perigosa quanto desarmar uma bomba-relógio. Mas cheguei. Ao meu lado, no assento  11A, um moço de uns 35 anos, daquele tipo que joga Angry Birds 24 horas ao dia no iPhone, fazia caras e bocas falando com alguém:

– Aham, é. Volto tarde. Nem me espere. Tchau.

De uma doçura que me lembrava chá de boldo ultraconcentrado… Quando ele desligou o aparato eletrônico vi, com minha visão Raio-X-Fuxiqueira, uma foto de criança na tela do telefone, enquanto ele criava seis rugas na face pra fazer uma expressão de reprovação, cochichando:

– A patroa…

Esbocei meu sorriso amarelo-padrão, e me pus a pensar porque as pessoas viviam juntas pra agir assim, feito ilustres desconhecidos, nessa secura toda. Acho que até sei a resposta — tinha visto, no noticiário, que mulheres do Japão buscavam casar-se depois das últimas catástrofes naturais por lá, pra se sentirem mais apoiadas na ocorrência de novos tsunamis. Se o bicho está pegando nesse nível e se o desespero globalizou, tudo é possível, ponderei.

Ele voltou a jogar, e eu iniciei meu corriqueiro massacre mental. Como era quinta, dia 09 de Junho, iminência do Dia dos Namorados, já tinha me rendido boa cota de piadas, prosas e teorias infundadas. Eu estava ali, sozinha, já pensando no que fazer na próxima noite de sábado, mas de algo eu sabia: queria estar em qualquer esquina do mundo, mas não na pele daquela esposa.

Eu podia me gabar da recente solteirice, da minha nova liberdade publicamente anunciada, dizendo que posso viver de esbórnia, fazer pole dance na balada ou colecionar affairs alternados pelos dias da semana. Mas não. Podia também me lamentar, dizendo que até minha avó de 94 anos já professou, há um mês, que estou “bem madura” e na hora de pensar em casar, ter 7 filhos viris, um cão Labrador e uma casa com varanda. Seria ainda pior. Podia fazer o triste papel de moderninha que se gaba dizendo ser independente, decidida, descolada e empreendedora, do tipo que “assusta” os pretendentes, mas ainda tenho alguma preguiça, graças a Deus, de passar por esse ridículo. Que um boi me lamba se eu perder a sanidade, peço humildemente. Muito menos vou sair por aí esbravejando que homens são debilóides que só pensam em vídeo game, pornografia, cerveja e vadias: fim de carreira está anunciado pra quem estiver nesse estágio de autoflagelação.

É óbvio que vejo comédias românticas que me idiotizam. Lógico que me desmancho por completo quando vejo um cara ter tato com crianças, projetando-o como pai. Claro que tenho doces memórias de dias e noites passadas a dois, colecionando bobices e delícias comuns, típicas de gente enamorada. Me amarro nessa partilha, aliás. Mas também é verdade que rezo pra nunca ser sozinha, tendo suposta companhia – quer dividir sua vida com alguém? — tenha admiração real, suspire, perca o fôlego por esse bendito, ou então, esqueça. Não faça, pelas caridades, feito as japinhas que querem esposo só pra agarrar alguém na hora do tsunami. Conheço um montão de gente assim, lamentavelmente.

Já dizia Pessoa que para viver a dois, é necessário aprender a ser um. Me empenho na carona para esse barco: conviver comigo e com os outros, serena e tirando o melhor do que o momento reservar. Assim seguirei até o belo dia em que eu mais tenho ‘dó’ de mim mesma: quando alguém conseguir fazer essa pessoa supostamente articulada, fria, calculista e compenetrada, virar uma pata choca e mongol, do tipo que derruba os potes do galheteiro e troca as palavras falando ao telefone.

Até lá, vou deixar os casais congestionarem as ruas dos motéis sem praguejar a performance sexual futura de ninguém, e vou levar na esportiva as cantadas de pedreiro que espero receber amanhã, enquanto danço com a companhia mais sexy do momento: o meu copo de Mojito.

Karina Lima

Carnavalizo

Podem me recriminar, mas assumo pra quem quiser ouvir: eu carnavalizo. Sou ré confessa, e com minhas lentes super-poderosas vejo poesia e beleza nas mil-cores das avenidas tomadas pela massa, sou grata à quase obrigação de ter uma data marcada pra diminuir a carga medonha que a vida exerce, e até me emociona sentir a percursão que ecoa forte a ponto de vibrar dentro da gente.

Você pode torcer o nariz, mas eu carnavalizo.

Por muitos anos, talvez por 25 dos meus vinteeset…oops, vinte e poucos de vida, passei carnavais inteiros no melhor dos estilos alternativos: lagartixando na piscina de um sítio, vendo DVDs de animações da Pixar, dormindo por algumas horas a mais numa rede. Sem culpa nenhuma, nem me gabando por deter uma pseudo-intelectualidade, ou torrando a paciência e cuspindo opiniões preconceituosas aos amigos foliões. Digam o que quiserem, mas vejo a Ivete Sangalo embalar multidões e admiro o magnetismo e energia que nela moram através dos ritmos vibrantes que arrastam o povo todo. Letra? Tem não, meu rei. É só pra pular mesmo. Não há intenção de imprimir inteligência nesse lance. Certo, depravação é outro assunto, vulgaridade também é. Mas não sejamos tão radicais ou, pelo menos, que sejamos só às vezes.

Você vai caçoar que no meu iPod deve tocar “Vounão-queronão-possonão”, mas eu carnavalizo.

Uso tiaras de pluma, chapéus de lantejoula, gravatas borboleta, cartolas de mágico. Me amarro nessa licença poética que só o Carnaval permite: você pode se fantasiar de quem ou o que quiser. Só há aqui um detalhe importante: ninguém deixa de ser quem é, só por conta dessa festa prolongada toda. No Carnaval, Natal ou Páscoa, não concordo que se deva barbarizar, tratar a outros de maneira leviana ou deseducada, infringir regras do bom convívio ou bancar o adolescente imbecil submongolóide.

Você vai me chamar de tia-chata-e-careta, mas eu carnavalizo.

Sambo no pé sem esquecer da contenda do aumento de R$5 no salário mínimo, ainda tendo nojo absoluto do machismo ignorante e ridículo do juiz Edílson Rodrigues, que proferiu zil absurdos sobre a Lei Maria da Penha, acompanho diariamente o processo caótico no mundo árabe, ainda sinto tristeza e náusea com a tosquice sem limites dos reality shows, e acho profundamente bizarra a onda dos emos-coloridos-sei-lá-que-raio tocando suas musiquinhas com timbre e harmonia de uma pobreza que é da Etiópia… mas procuro compreender o movimento atual dessa juventude fosforescente.

Você vai me lembrar que o carnaval tem sua face muito feia, mas eu carnavalizo.

Vou pra avenida mesmo lamentando que a prostituição de todas as idades ganhe ainda mais força nessas datas, e ciente de que muitos gringos só buscam aqui os “pandeiros” da mulherada que vive a mercê de seus corpos. Sei que o mesmo morro no Rio que batalha pra construir carro alegórico com aqueles temas a ver com a Sereia Iara e as águas do Amazonas vive sob a lei do traficante e encara outras barbaridades. Sei que Salvador fica depredada com o Carnaval mal-planejado e focado no lucro a curto prazo, também.

Você vai sentir tristeza ao pensar nesse assunto, mas eu [ainda] carnavalizo.

Vou brincar no Carnaval pra celebrar a vida, e não pra ameaçá-la. Triste é a sina de quem se aproveita da válvula de escape carnavalesca pra beber todas e aí lançar mão da chave do carro, e lamentável é o comportamento daquele fulano que se droga até enxergar o Darth Vader cantando no trio com o Bel Marques, levando pra casa o abadá e a amnésia.

Você vai dizer que tomei umas antes de escrever esse texto, mas eu [ainda assim] carnavalizo.

Sou gamada na bela desculpa que vem de carona com esse feriado pra dar a pausa que [acho que] mereço pra aliviar a frenesi absoluta que reina na maioria dos dias do meu pobre calendário. Vestindo alegria, fitilho no cabelo, sorriso no semblante: uma pausa consciente, necessária e bem-vinda. Pra falar bobagem, ver o sol nascer, dançar até os pés pedirem pinico.

Quem quiser me julgar, vá falando: mulheres são bichos multitarefa. Enquanto isso, arrumo as malas e separo os badulaques…

Karina Lima

Sina

É terça. Ela acorda cedo, cedo demais. Às tontas, levanta feito um rojão e esfrega os olhos como se quisesse sair imediatamente de um transe – parece que pegou no sono há dez minutos: mal dormiu, já despertou.

Não acende as luzes: teme despertar os pequenos, que dormem como anjos, silenciosamente. Com o tato, lança mão do vestido surrado de estampas simétricas, e agarra um par de sapatilhas. Nos cabelos, um coque feito com algum esmero é delicadamente enfeitado com uma flor graciosa, flor essa que denuncia a pouca vaidade que ainda lhe resta. As pernas, de tanto subir e descer ladeiras, são bem bonitas e esculpidas. Na juventude, eram as idas à gafieira que as mantinham assim.

Fecha vagarosamente o portão, que range como se reclamasse por ser incomodado tão precocemente. O dia ainda nem se atreveu a clarear. O estômago dela também reclama da falta de um café preto, mas é necessário correr. Correr para o mundo, mesmo que só pensando em voltar.

Ela é quase uma artista circense: faz malabarismos para encaixar-se no trem, para pagar as contas, para fazer o pouco que há no bolso sobrar ao final do mês, para comprar pipoca e refri no dia do aniversário dos rebentos, para vê-los girarem no parquinho vez ou outra. A expressão deles sorrindo no parque, imagem solta em seus pensamentos, a faz flutuar em meio àquele caos matinal. São esses doces pensamentos que a distraem, enquanto os outros ouvem músicas em seus fones de ouvido, alheios e carrancudos, imersos em seus próprios mundos.

As esperanças de que ‘ele’ um dia voltasse estão perdidas: o jeito foi fazer-se presente e onipresente, para tudo o que pudesse vir desde então. Um dia, apaixonou-se perdidamente… mas desde que isso se tornou passado e lembrança, esqueceu-o. Nem o nome do Fulano ela pronuncia mais. Para quem pergunta, ele é o ‘pai dos filhos’, nada mais que isso. No fundo sofreu, óbvio que sim. Mas o papel de coitadinha nunca lhe coube, definitivamente: tem fibra, acredita, segue em frente, não se abate. Até uma fézinha na Mega Sena ela faz, vez ou outra. Não tem Bolsa-Família, Bolsa-escola, Bolsa-Parente, Bolsa-do-Morro, Bolsa-da-Enchente, Bolsa-da-Desquitada. Ela faz o pé de meia, e põe o pé na estrada, com gana e com graça [por que não?]. Não quer ser alvo de pena, nem de lamúria — ah, e nem de bala perdida vinda do morro, se possível for. Tem seu pequeno clã pra criar, e orgulha-se dessa divina incumbência.

Quando a porta do trem se abre, ela sai, junto com a multidão ‘homogênea’ e unida num bloco só, pisando de leve, mas sendo empurrada, suor minando no rosto, vestido amarrotado, grunhidos. É, o bicho está sempre pegando. Sorte dela, que nasceu com uma paciência oriental e inabalável.

Ela desliza habilidosamente pelos quarteirões confusos que ali se amontoam, e logo depois chega ao trabalho. O sol já castiga demais. Ela faz o sinal da cruz, põe-se pronta, respira fundo, dá bom dia ao porteiro, chega ao apartamento da patroa. Lá, o dia é longo, cansativo, repleto de tarefas. Horas passam, uma a uma.

Ao cair da noite, retornando com dois algodões doces, ela vê o milagre através do qual duas crianças podem se transformar em dois grandes e plenos sorrisos: deixa-os beliscar as guloseimas, inebriados de alegria, mas de olho no jantar a três, que ainda está por preparar. Ali, naquela fração de segundo, convence-se de que todo o sufoco de hoje foi válido, e de que está pronta para repeti-lo outra vez, em nome deles, forte em sua fé.

Karina Lima

Pendência

Tenho que vencer nessa vida, é urgente. Conhecer o mundo, sacar belas fotografias, degustar os sabores mais exóticos, manejar a agenda cotidiana com o talento de uma malabarista circense, alimentar essa minha sede doida pelo constante movimento. Isso tudo sem deixar a vida passar despercebida. Assobiando e chupando cana.

Tenho que ter um lindo e amplo escritório com um frigobar retrô e um baleiro das antigas, ornando com decoração off-white, futurista, moderninha, inusitada. Para isso, trabalho desenfreadamente: penso no prosecco, em tudo o que ainda tenho que fazer, nas minhas ambições, e me lanço, confiante. Escolhi empreender, dar risada do risco, calculá-lo todos os dias, conquistar, persuadir. Optei por uma profissão pela qual tenho paixão, e paixão é um lance que te leva até as últimas conseqüências.

Tenho que ser uma máquina de criatividade, é urgente. Para isso, devoro livros e revistas, armo a agenda para passar manhãs em livrarias, alimentando meu ímpeto por criar algo novo, reinventar o que há. Para isso, olho o mundo sempre com a intenção de capturar o evento, guardar uma boa sacada, trazer uma inspiração no bolso. Mal descanso: ando acordada demais, é o que dizem por aí.

Tenho que estar próxima dos entes e amigos mais amados – para isso, me desdobro em 1000 para saudar nos aniversários, escrever um recado carinhoso em Post-It, mandar um cartão natalino, passar uma noite fazendo escândalo num karaokê, planejar uma viagem incrível, promover uma roda de chopp ou de pizza pra multidão. Pelo meu eleitorado, não durmo, e vale a pena cada pedaço de sacrifício.

Tenho que ponderar minha absoluta sinceridade: talvez ela até tenha um quê ingênuo em vários momentos, porque insisto em botar fé no mundo bem-intencionado, que valoriza a verdade nua e crua, sem pó compacto e nem corretivo.

Tenho que me exercitar, mesmo quando tudo o que queria era só dormir. Meu próprio organismo já nem se encosta por muitas horas: vive como o bombeiro que, a qualquer momento, pode ser acionado para apagar o fogo em uma esquina qualquer. Claro que sou uma criatura levemente alucinada, que acorda cantando, mas moram em mim um coelho e um bicho-preguiça que se engalfinham todo dia – desde algum tempo, o coelho anda em séria vantagem nessa pancadaria sem fim.

Tenho que encontrar minha metade, é urgente. Para não ouvir minha avó dizer que já estou madura demais, para não ficar a mercê de circunstâncias, para não sentir a mais profunda solidão acompanhada na balada: pra lá, só vou se a vontade de ‘dançar como se ninguém estivesse vendo’ me invadir. Caso contrário, me deixo envolver pelo pijama e as minhas pantufas do Homer Simpson.

Tenho que ser a melhor filha do mundo, é urgente. Nada mais justo que retribuir todo o empenho, amor e sacrifício feitos em meu nome, um dia. Em busca disso, espremo meus horários, levo meus pais para provar comida nova, e me delicio ao assistir suas pequenas descobertas, e o brilho nos olhos deles por fazer isso em família, por ter sua prole por perto, rindo de bobagem, lembrando do que já se foi. Eles protagonizam meus melhores momentos.

Tenho que fazer mais pelo próximo. Nada me traz mais novas energias do que isso. A cada hora dedicada aos meus pequenos no hospital, penso em poder, um dia, doar muito mais: sou eu quem mais ganho, ao final das contas. Doar-se gera, hoje sei, um divisor de águas na vida.

Tenho que ter tempo livre. Pra desenhar bichos pra minha afilhada com giz de cera, pra deixar o tempo passar em frente a uma temporada inteira de série de TV, pra chorar com filme água com açúcar, pra adormecer num fim de tarde, bater papo no bar, ler um livro bem, mas bem bocó.

Tenho que tomar um porre pra esquecer metade das coisas anotadas na minha mente burocrata. É urgente.

Karina Lima

Se eu fosse presidenta

Se a Festa [Obrigatória] da Democracia tivesse me brindado liderança absoluta nas urnas, estou certa de que ainda não teria pregado os olhos direito por nenhuma noite inteira. Só de pensar no reboliço que isso poderia representar na minha-nada-mole-vida, minhas tripas ameaçam enroscamento geral, curto circuito e pane generalizada. Confabulei a respeito dessa pauta há pouco e quase fundi meu pobre cérebro tentando construir um plano imaginário de governo — pairou até cheiro de queimado na varanda da sala de estar. O jeito foi compartilhar aqui só o que sobrou assim que desisti — claro — dessa tarefa. Não há remédio, isso é o que temos para hoje.

Conto que um dos meus primeiros pensamentos sobre o assunto, olhando para um cursor piscando na folha pálida do Word, foi: se eu fosse presidenta, investiria pesado em educação para o máximo de pessoas, incluindo o Tiririca. Abrangência integral: desde a cartilha com a lição da pata que nada até o ensino profissionalizante e a graduação, porque deliro para ver na ativa uma usina de cabeças que brilhem no mercado de trabalho, que mostrem o pensamento além do cafezinho da firma. Organizações que empreguem gente que queira mais que enganar o patrão no horário comercial.

Se eleita, eu posicionaria o sistema prisional como a principal via para a ocupação de mentes perigosas: se detentos produzissem zilhões daquelas cadeirinhas de bebê obrigatórias no país, quem sabe assim não pararíamos de receber trotes lá de Bangu, né? Essa gente anda ociosa demais. E olhe lá que trotes são pouca coisa dentro do que esses garotos malvados ‘produzem’ enquanto vêem o sol nascer quadrado, se é que vocês me entendem.

Se eu ocupasse o cargo mais alto na nossa política, não escaparia do estigma de combater a sede e a fome – é duro admitir, e a Madame Mayara Petruso não aprovaria isso de modo algum, mas aqui no nosso chão há uma série de urgências: às vezes, em meio à caatinga ou em um barraco modesto, não há tempo de esperar que uma criança aprenda a tabuada do 6, para depois alimentá-la com tutu de feijão. Encantaria-me representar uma nação que tivesse apenas fome de saber, fome de justiça, fome de inovação… mas não poderia, de modo algum, fechar os olhos para a fome latente de panela, brutalmente presente, cruel vilã que ainda ceifa tantas vidas, todos os dias.

Se eu fosse essa autoridade exemplar, investiria primeiro nos leitos e na infra-estrutura de Hospitais Nacionais, de responsabilidade do Governo Federal, para em seguida fazer valer o conceito de Humanização Hospitalar: quem dera contar com locais onde corpos e mentes fossem curados, todos os dias. Um sonho, uma nova fronteira – a saúde iria fazer valer o seu próprio significado, produzindo novos sorrisos.

Governando o Brasil, daria nele um choque de gestão empresarial, porque a Máquina Nacional está com as pilhas bem fracas. Meus ministros, por exemplo, seriam escolhidos por headhunters — nessa vida, não há milagre sem prévia romaria, certo? Na Segurança, buscaria incessantemente profissionais com a bagagem moral e a fibra do Capitão Nascimento – dentre os materiais de escritório, sacos plásticos teriam grande estoque. Só por precaução.

Conduzindo um país, criaria um vestibular para pré-aprovar deputados e senadores – seria o fim da ditadura dos submongolóides. Para aplicar no processo de candidatura, seria mandatório saber estruturar projetos, falar com coerência, comprovar experiência, não ter o ‘sobrenome’ de alguma fruta, não ser cantor do KLB, não ter ganho visibilidade por ter agredido mulheres. Ah, não menos importante: bigodinhos safadjeenhos a la Sarney, nunca mais na história desse país. [Alô CQC, Pânico e Trupe dos Cassetas: com isso, suas pautas precisariam urgentemente de alguma novidade, a fonte secaria… né?]

Se eu fosse presidenta, procuraria um personal stylist e usaria gloss nos lábios. Tenho ciência, aliás, de que barba cinza e nove dedos são as tendências para o momento no cenário pop, mas eu tentaria inovar e quebrar esse tão forte paradigma. Ah, e se eleita, daria um Nintendo Wii pro Serra se ocupar e adquirir hábitos mais, digamos, vivos. [Oká, cessaram as minhas maldades. Parei por hoje.]

Uma vez aclamada chefe de governo, cortaria o barato de toda a corja que planeja mil patifarias com as obras superfaturadas nos estádios de futebol para a Copa. Ah, e no meu governo, o Corinthians jamais teria sequer menção na pauta “abertura dos jogos”, não mesmo [não coloquem minha mamãe no meio, xinguem só a presidenta]. Empenharia-me ao máximo para impulsionar o Brasil em seu momento de maior plenitude e evidência através desses incríveis eventos — a briga seria feia, mas muito válida, estou certa.

Se eu ganhasse a corrida presidencial, não incluiria o rosa choque nas cores da bandeira nacional, e nem sairia por aí bradando a vitória suprema feminina, independente, arrojada e purpurinada. Não é preciso ter muito esclarecimento para saber que homens e mulheres possuem habilidades distintas, e que competência, meu povo, é bênção assexuada: você é aquilo que pratica. Esse papo feminista me dá uma preguiça…

Governando lá em Brasília, ouvir o Hino Nacional me causaria ainda mais comoção – veja lá que hoje meu pobre coração já acelera só em escutar os primeiros acordes dessa melodia, hein? Eu poderia ter zil desejos de realização e um número sem-fim de desafios, mas talvez um sentimento maior fosse dividido com vocês: de que minha luta diária seria em prol de desmanchar o nó na garganta que está aqui, mantido graças a um sistema injusto, covarde e mesquinho, que castiga quem faz a lição de casa e beneficia encapetados que se comportam pessimamente mal.

Só valeria a pena virar Presidenta sendo, mesmo, excelentíssima.

Karina Lima