Tem dias que a saudade comprime o peito, é uma coisa física que parece um corredor estreito que fica mais e mais estreito conforme as memórias vão voltando.
Memória é um coletivo, uma puxa a outra, e elas parecem não ter fim, girando num ciclo de imagens, cheiros, toques e sensações, que despertam pequenos prazeres momentâneos e ao mesmo tempo a pressão de você sobre você mesmo, se não romper o processo agora, pode ser infinito, rompa! Rompa o processo!
Aos domingos, as memórias ficam mais ouriçadas, elas querem liberdade, querem ser realidade. Uma realidade que jamais novamente alcançarão. É no domingo também que tudo recomeça, amanhã é segunda e as memórias se perdem na rotina.
A rotina apresenta migalhas de lembranças, mas não te da tempo de viver o prazer da memória, apenas a lembrança. Ela aparece durante o dia, numa vitrine, na música no rádio, no perfume que ela gostava que você usasse, no incenso que acendeu pra espantar os maus pensamentos, na risada desenfreada pra aquela mesma piada que só pra ela era novidade.
É, a rotina parece ser pior que o domingo, é na rotina que os pequenos prazeres se apresentam. É na rotina que penso em contar a ela cada passo do meu dia, e como só ela sabe me fazer entender as coisas mais simples do cotidiano.
Foi num domingo que ela comprou a passagem só de ida. Por hora, não vi alarde a ser feito. Ainda faltavam dez, nove, oito, três dias, dois, e ela foi. ‘Espero que saiba que te desejo tudo de melhor e ficarei aqui com a saudade e o amor de sempre’, foi o que achei pertinente dizer. Ela achou que parecia despedida. E Era. Uma despedida de tudo o que foi, uma despedida dos olhares subjetivos e dos abraços intermináveis.
Ela aterrissou numa cidade cinza, e foi o meu mundo que descoloriu, do lado de cá, vendo subir o avião, numa metáfora leve como um pássaro, simplesmente indo.
Prontamente os amigos de fé e cuidadores de plantão, correram com suas latas de tinta, pincéis, cryons e aquarelas, dispostos a colorir o black & White que ela deixou. Me ofereceram suas cores, misturas e prazeres artísticos com os quais colorem suas vidas, as vezes também em tons pastéis.
Aos poucos, fui enxergando as cores e colorindo espaços antes não vistos, caprichei nos acabamentos, com cores vivas e sem muito sentido. O Amarelo prevalecendo sempre, sempre iluminando. Parece que todas as coisas recuperaram sua cor, ajustaram a gama e reduziram a saturação, o mundo todo re-coloriu. Tive que aprender a pintar o meu próprio universo, e isso é coisa de artista.
Mas sabe? Não vou esquecer suas cores, não vou esquecer como ela dominava a arte de pincelar meus sentimentos com uma mistura de cores brilhantes com as quais meus olhos demoravam a acostumar, mas se encantavam a cada novo risco compreendido.
Entendi depois que era também pra mim uma passagem só de ida. Só de ida a um mundo completamente novo e desconhecido. Na minha bagagem: roupas mais leves, coração mais leve e desapegado, um pouco mais de paciência e a fala mais branda, tipico de quem acaba de compreender uma lição.
Percebi enquanto fazia minhas malas, quantas coisas dela estou levando, quantos sentimentos bons, quantos sorrisos e quanto da minha maneira de ser ela influenciou. Tenho gostado muito de quem me tornei, mas ainda não sei ao certo se estou amando o que me tornei, ou se ainda estou amando a parte dela que ficou em mim, de qualquer forma, por hora os voôs estão esgotados, e viveremos por tempo indeterminado em cidades distintas.
Nas malas o que aprendi, no peito uma saudade que aperta e afrouxa.
Estou apreciando as cores daqui, agora vou aprender a desenhar.
Natasha Vitória, publicado em: http://taescrito.com/